sábado, 19 de maio de 2007

Encontro de 04.05.07

Assistiram Carla, Ireni, Pedro, Laura, Luciana, Karl e Rafael.

A reunião começou com a apresentação de Laura dos textos propostos sobre as figurações do sujeito lírico. A continuação está o resumo da apresentação escrito por Laura:

Figuras e figurações do sujeito lírico

Laura apresentou um resumo do texto de Michel Collot (Universidade Paris III) intitulado Le sujet lyrique hors de soi. O texto faz parte de um conjunto de apresentações feitas durante o colóquio « Le sujet lyrique en question» organizado pela Universidade de Bordeaux, em 1996, publicados posteriormente pelas edições PUF sob o título Figures du Sujet lyrique, dir. Dominique Rabaté. Esse conjunto de textos deixa claro que não pretende discutir o lirismo enquanto gênero (ou categoria), a motivação comum a todos os ensaios é de abordar a VOZ que sustenta o lirismo, o sujeito lírico em suas inflexões e posturas próprias, nas suas manifestações potenciais. Assim os textos vão procurar interrogar a dinâmica de configuração do sujeito lírico, as condições de figurabilidade desse « eu » perguntando-se pela pertinência da especificidade do modo subjetivo na lírica. Na introdução ao livro, Dominique Rabaté chega a afirmar que o « sujeito lírico » seria uma espécie de “primo pobre” no dicurso crítico do século XX que teria enfocado a questão do sujeito quase sempre tomando como referência o sujeito do romance e dos gêneros narrativos. Para Rabaté a discussão sobre o sujeito lírico se inscreve no « retorno do sujeito » que o estruturalismo teria evacuado mas que ressurge agora no centro das dicussões em campos diversos. Para Rabaté esse retorno não seria uma « restauração » ou recuperação, pois o interesse agora é de abordar o sujeito como questão móvel, contraditória, partindo da idéia de que a subjetividade que emerge no poema é irredutível e não é estável.

Os ensaios agrupados no livro vão tentar dar conta das tensões que se manifestam de forma diferente em cada obra, em cada autor e que na poesia talvez tenha um modo particular de se configurar. Na França essa discussão acaba ganhando força pela emergência de um « novo lirismo », num debtae que dividiu os novos líricos (aqueles que tentam afirmar a subjetividade lírica sem abdicar da noção de lirismo) e os que acreditam na literalidade do projeto projeto poético (Jean-Marie Gleize, por exemplo).

Todos os textos vão investir numa leitura anti-hegeliana do lirismo, ou seja, uma leitura menos condicionada a ver na lírica uma expressão da interioridade, uma poesia confessional, o que possibilita também uma releitura da poesia romântica que pode ver no seu obscurantismo um modo de resistir a uma concepção referencial de « eu ».

O texto de Maulpoix (também presente no livro “Figures du sujet lyrique”) critica o uso « anacrônico » da expressão « eu lírico » que rejeitaria ou negligenciaria as noções de escritura e de texto reenviando-nos a uma divisão de gêneros obsoleta. Por MAukpoix propõe (tomando emprestado a Ferlinghetti) uma noção de « quarta pessoa do singular », uma pessoa potencial que traduziria melhor esse situação de enunciação de um eu que se apodera da sua própria perda de substância, da sua indeterminação. Essa quarta pessoa não é nem o eu autobiográfico, nem o o tu do diálogo dramático, nem o ele épico ou romanesco, mas uma pessoa potencial que passei por entre essas várias instâncias. A quarta pessoa pode referir-se a ela mesma como a « ele », num movimento de « objetivação do sujeito », de recuo crítico em relação a sua subjetividade, quando faz desse movimento um ritual de luto vai caracterizar o sujeito melancólico, que trataria de si mesmo como “objeto perdido”, convertendo o poema numa espécie de túmulo. Talvez seja possível ler essa quarta pessoa como um modo contemporâneo de superar a idéia de « desaparição elocutória do poeta » proclamada por Mallarmé :

« Tudo acontece como se o sujeito lírico da modernidade estivesse lançado pra fora de si a procura de seu próprio centro. (sujet « extime » et non « intime »). Sujeito presente e exilado. Toda poesia consiste numa valorização do objeto, que teria na Ode o seu maior modelo.” (Maulpoix).

O texto de Michel Collot :

Collot sugere uma definição do sujeito lírico como dinâmica de « saída de si ». Ele se opõe implictamente a uma vertente que faz uma leitura estritamente « objetivista » da poesia de Ponge, e também se coloca na contramão das leituras anti-líricas de Rimbaud. Sem abdicar da noção de lirismo, Collot procura situar a discussão sobre o sujeito lírico na contra-corrente dos estudos clássicos sobre o « eu lírico ». Collot vai reler essa questão em confronto com a clássica definição hegeliana de lirismo, que via no eu lírico (por oposição ao narrador épico) um mundo subjetivo, fechado em si mesmo, em que as circustâncias exteriores seriam apenas um pretexto para expressão dos estados d’alma, dessa interioridade. Se Hegel admitia que um evento/acontecimento externo poderia ser útil à emergência da voz e do sentimento lírico, ele oferece como exemplo « os povos do norte » que precisam de « coisas » e de öbjetos »para fazer emergir a alma, o outro exemplo dado por Hegel é o do lirismo sublime dos salmos que supõe um eu « fora de si ». Para Collot esse estado do « fora de si » não constituiria uma excessão mas sim uma marca do lirismo moderno.

Collot resume rapidamente a teoria platônica segundo a qual o poeta seria alguém fora do seu próprio contrôle, na medida que é possuído por uma instância que estaria alojada ao mesmo tempo no mais íntimo e no mais radicalmente externo a ele. Esse movimento de possessão e despossessão é que irá interessar a leitura que Collot faz do lirismo. Ou seja, o eu lírico sustenta sua voz ao deixar-se possuir por um Outro, Deus (poesia mística) ou ser amado (poesia erótica), pelo tempo na poesia elegíaca, ou pelo “chamado do mundo” que mobiliza o poeta cósmico. O próprio canto seria muito mais algo que atravessa o poeta do que algo que se origina nele. Assim Collot conclui que haveria uma espécie de « passividade »fundamental na posição lírica que pode ser entendida também como um tipo de assujeitamento. A questão que se segue é : quando a linguagem se desencanta, ou seja, quando não é mais possível cantar um Deus ou um Ser ideal, quando essa força, se esse impulso na direção de um Outro perde o fundamento transcendental não estariamos diante de um eu lírico simplesmente « alienado » ? Segundo Collot a transcendência teria servido apenas como máscara, pois todo poeta (tanto o clássico quanto o moderno) se deixaria levar pelo impulso da língua, do Outro, do Fora num movimento que pode derivar para o êxtase ou para o exílio. Nesse ponto o eu lírico se distinguiria de um subjetividade idêntica a si-mesma e senhora de si.Para Collot é nessa noção do êxtase lírico que podemos fazer uma redefinição do sujeito lírico numa perspectiva contemporânea, para ele esse eu lírico constituiria uma das configurações possíveis do sujeito moderno.

Daí em diante o texto vai recorrer a uma visão fenomenológica do sujeito lírico, que encara o sujeito não em termos de substância, interioridade e identidade mas na sua relação com constitutiva com o que está fora e que o altera.

É nesse sentido que o autor recorre a idéia de « carne » numa visão tributária dos estudos de Merleau-Ponty. A linguagem constituiria um terceiro corpo, um corpo estrangeiro que dá forma ao pensamento mas que permance estrangeiro ao eu lírico. Para Merleau-Ponty a lírica seria um « gesto do corpo », ou seja, o eu lírico se deixa possuir por uma carne/corpo que não lhe pertence, a carne da linguagem, daí que ele se constitua como um « fora de si ». Se o eu lírico é aquilo que emerge da enunciação lírica, constituindo mais um efeito de linguagem do que uma subjetividade anterior ou exterior a ela, a linguagem o impediria de ser « dono de si », e de ter acesso a si mesmo, como chegou-se a acreditar no romantismo. A própria expressão da interioridade seria, nessa perspectiva, muito menos uma descida às “profundezas da alma” mas pelo contrário, seria parte desse movimento de saída de si.
Daí a constante reincidiência da noção de IPSEIDADE (Paul Ricoeur) para se pensar o sujeito lírico (em oposição à noção de INDENTIDADE).

Para objetar as criticas ao idealismo e ao subjetivismo lírico e tb indo contra a uma perspectiva que revindica o literalismo da linguagem como única via de acesso a realidade, Collot recorre a essas noções de « carne » (Ponty) e à matéria-emoção (René Char) com a qual o eu lírico se confundiria.

Segundo Collot, Antilirismo e literalismo, nas suas versões mais polêmicas correm o risco de reconstruirem velhas dicotomias já gastas, (matéria e idéia, dentro e fora, emoção e consciência). Às correntes antilíricas Collot vai opor uma idéia (inspirada na matéria-emoção de Char) de um “lirismo de pura imanência”, um lirismo materialista. Os exemplos que servem para inspirar essa idéia são Ponge e Rimbaud pois ambos, de formas totalmente diversas, recusam o lirismo entendido como « expressão do eu » e propõem um tipo de poesia que valoriza a realidade das palavras e das coisas. (que Collot chama de objetos de sensação e objetos de linguagem).

Depois de algumas análises dos poetas citados, o ensaio se fecha com a idéia de que essa projeção do eu para fora de si caracterizaria uma poesia TRANSPESSOAL, o que o leva a interrogar se aquilo a que chamamos de lirismo pessoal não constituiria antes uma excessão e não a regra para o lírico. Ainda pra corrorborar esse argumento Collot exemplifica comentando a perda do canto transpessoal na Idade Média e a emergência de uma poesia autobiográfica, pessoal. Existiria ainda um lirismo pessoal elegíaco ou irônico marcado pela individualidade que canta não o encontro mas a separação, expressão da crise entre sujeito e linguagem. Para Collot esse tipo de lirismo corre o risco de desembocar num narcisismo enfadonho e solipsista que tornaria novamente o eu lírico cativo e fechado sobre si mesmo. Collot defende a idéia de uma saída de si num sentido positivo e transitivo, um sujeito lírico que possa se realizar nessa despossessão.

Depois da apresentação de Laura, foram comentados os textos de Pedro Lemebel, incluídos no livro “Loco Afán: Crónicas de Sidario”, destacando os seguintes elementos centrais:
1. Sua escrita como uma escrita poética de tendência barroca (se estabeleceu um paralelo possível entre Lemebel e a obra do argentino Néstor Perlongher)
2. Uma das observações feitas refere-se a forma como Lemebel trabalha o eu lírico, ele o faz não por objetivação (uma pulsão produzida por um objeto que capta esse eu lírico) senão que esse eu é quem captura o mundo exterior, o captura e o readapta nessa realidade ficcionalizada). A escrita de Lemebel implica entrar no mundo de Lemebel.
3. Também é interessante observar como através de suas crônicas e romances se encontram pistas que nos permitem recriar o Chile dos anos 80 (sobretudo em "Tengo miedo Torero”).
4. Sua intervenção política no espaço da ditadura chilena (questionada tanto pela direita quanto pela esquerda), com suas performances das “Yeguas del apocalipsis” e em suas crônicas e romances. Intervenção política relacionada com questões de gênero, travestismo, homossexualidade e AIDS.
5. Vinculou-se a obra de Lemebel com outras obras contemporâneas relacionadas ao tema das ditaduras e pós-ditaduras, como a obra de Roberto Bolaño, e se sugeriu comparar estas obras com as propostas de escritores e cineastas mais jovens como, por exemplo, o argentino Martin Rejhman. Quais as diferencias entre a visão das ditaduras de esta nova geração em contraste com a geração imediatamente anterior que vivenciou de primeira mão a experiência das ditaduras?

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